quarta-feira, 15 de julho de 2015

Sérgio Emiliano surpreende com mais uma crônica

VIVER
Sérgio Emiliano
Todo ano é a mesma coisa. Um engarrafamento de ônibus com destino ao  litoral para na churrascaria do Manoelzinho. Já é quase meia-noite e o cheiro da salmoura que vem da carne de sol, se junta com o das bancas que vendem misturinhas e espetinhos.   Descem dos ônibus pessoas de todas as idades enroladas em tolhas de cores desbotadas. Os cabelos em desalinho prejudicam ainda mais, os semblantes cansados e esfomeados. No compartimento de bagagem, isopores de todos os tamanhos levam de
tudo: água congelada em garrafa pet, vasilhas de plásticos com comidas, laranjas, e claro, a tão famosa melancia que já viaja vencida. Formam o banquete de praia, pois a refeição nas barracas é um absurdo de cara. São pessoas do nosso cotidiano, ávidas por um dia diferente, que fazem economias para o tão sonhado encontro com o mar. 
Às seis da manhã, de um domingo sempre frio, chegam ao mercado de
Parnaíba para o café da manhã. Muitos não conseguiram dormir, pois a maior parte encheu a cara de cerveja a madrugada inteira. O espetáculo do nascer do sol no mar reanima a todos. Lembro que fiz essa viagem tantas vezes e era sempre uma alegria. O mar e sua maresia têm dessas coisas.
Conduzidos pelo dono da excursão, são orientados sobre o horário da volta e da vaquinha que terão que fazer para pagar o dono da barraca. Eles odeiam os farofeiros.  Pela sujeira que deixam, pela bebedeira, pelo lucro que não têm, já que quase toda comida é trazida de casa. Surgem como numa mágica, os vendedores de óculos da China, os que vendem camarões dentro de saquinhos, dvd’s e cachaças nada artesanais
mergulhadas juntas aos pedaços de abacaxi, caju e cana.
De repente, todos correm para o mar, muitos o veem pela primeira vez. É lindo ver a alegria escorrendo das suas caras, as palavras pronunciadas aos gritos pelas avós nervosas, as meninas com o corpo já todo branco de água oxigenada e os  rapazes providenciando uma trave para a pelada.
A festa enfim, havia apenas começado. A praia lota, o vento fica cada vez mais forte e todos os tipos de bebidas são consumidos em proporções dantescas. Debaixo das barracas, um som altíssimo de forró enlouquece a todos. As mulheres mais desinibidas dançam freneticamente. Numa mão, o copo. Na outra um cigarro. Os seios balançam como que quisessem fugir dos biquínis. Entre eles, grudados no óleo de urucum, restos de farofa do peixe ou do frito que levaram.
As ondas do meio-dia quebravam como chicotes nas costas já vermelhas do sol.
Para piorar, toda a areia vai sendo engolida por uma montanha de lixo. Falta educação, consciência ambiental... Sei lá. Tanta coisa. Mas acho que vale tudo por um dia diante da imensidão do mar.
No ultraje dos anos, as avós ocultam seus corpos em vestidos e bermudas. Como banham apenas na beirinha, os ralos cabelos se misturam com areia, com espuma, com o medo de perder a dentadura, com a fúria do vento e do sol. No calor da emoção, muitas mães se separam dos seus filhos e todos saem à procura num desespero etílico. O reencontro é sempre emocionante e eu não perdia por nada dessa vida.
No fim da tarde, mais um surpresa. O dono da excursão faz a contagem
dos passageiros e sempre falta alguém. E quando chega, (quando chega), vem às quedas de bêbado. Ainda falta ir tirar o sal na lagoa do Portinho e dançar forró que
começa exatamente às cinco da tarde. Muito bom ver o mar, tomar cerveja, comer peixe frito... Viver. Mesmo de qualquer jeito, mas... VIVER.

Sergio Emiliano.

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